A Fuga do Fracasso na Busca da Perfeição
- Maria João Gonçalves
- 17 de fev. de 2021
- 4 min de leitura
Uma pesquisa rápida pelo dicionário da Priberam mostra que a palavra "perfeito" é um adjetivo. Em baixo lê-se, entre outras coisas, completo, sem defeito, notável. Muitos de nós, ainda antes de sabermos que é um adjetivo, já sabemos que é um objetivo, uma meta, uma escala daquilo que é bom ou não.
Crescemos com a ideia de que só seremos suficientemente bons se formos e fizermos perfeito. Sobretudo à primeira tentativa, não havendo espaço para erros ou repetições. A realidade é que fazer perfeito à primeira é extremamente ambicioso, isto assumindo que existe tal coisa como perfeição. Num mundo em que tudo está em constante evolução haverá espaço para o perfeito? Para o completo e imutável? Para o sem defeito e nada a acrescentar?
Esta exigência em que caímos e esta perfeição a que almejamos reduzem ou anulam o espaço para algo que é crucial à experiência humana: o fracasso. Fugimos do fracasso e da possibilidade de errar, como fugimos da tristeza e da raiva e como tendemos a fugir de qualquer coisa que coloque em causa a idealização do que é ser humano.
Desde cedo que sentimos a pressão para não falhar. Afinal de contas, se falharmos o professor pode ralhar connosco, podemos ser gozados pelos nossos colegas ou a nossa nota pode mesmo ser inferior. Quem é que nos vai deixar repetir o teste? Temos de acertar à primeira. Ao longo do nosso percurso escolar as coisas começam a complicar-se, temos de escolher o caminho que queremos seguir e desenhar o nosso futuro. O espaço para os erros começa a ser cada vez menor, afinal está na linha aquele curso ou aquela universidade. Aos poucos, de tanto bebermos estas ideias, são as que levamos connosco para a vida: para atingir o que quero não pode haver espaço para erros. Tornamo-nos intolerantes connosco, com os nossos erros e com os dos outros. Começa a ser difícil lidar com as críticas daqueles que nos querem ver a ser e a fazer melhor.
Este medo do fracasso é perigoso, porque o fracasso é inevitável. Eventualmente, seja qual for o contexto ou fase da vida, vamos errar. Vamos estar menos bem, não iremos conseguir produzir ou ser algo sem defeitos. No entanto, não creio que isso signifique que não possamos ser e fazer algo notável, algo completo, algo magistral. Muito pelo contrário. Algumas das maiores lições e aprendizagens nascem do erro, são filhas do fracasso, da tentativa que não deu certo. Vamos errar ao longo da nossa existência, com os outros, na escola, no trabalho, connosco. Se tudo correr bem vamos errar muito, o que significa que estamos vivos e a tentar fazer coisas, que estamos ativos, presentes e em ação. Na inércia não erramos, mas também não acertamos.
Não temos capacidade de evitar todos os nossos erros, mas temos a capacidade de escolher o que fazer com eles. Podemos escolher desistir, continuar a fazer igual, conhecendo sempre o mesmo desfecho ou decidir fazer diferente. Aprender com o que não resultou, refletir sobre o que pode ter falhado e voltar a tentar. A experiência é o que mais nos vai ensinar. O fracasso ensina-nos sobre a dificuldade e, se deixarmos, sobre a resiliência, a persistência e a tolerância.
Esta nossa obsessão com a perfeição é diariamente alimentada pela sociedade, por exemplo, através das redes sociais, onde tudo parece sempre tão feliz, arrumadinho e bem resolvido. É compreensível que os outros não exponham social e publicamente os seus erros, os seus fracassos. No entanto, é importante mantermos um pensamento crítico e consciente de que não é por não o vermos, que não existe ou que é um motivo de vergonha. Nós partilharíamos nas redes sociais os nossos erros? Provavelmente não (ou não com muita frequência). Então por que é que esperamos que os outros o façam?
A comparação é tentadora e diria que inevitável. Compararmo-nos aos outros pode ser uma boa forma de nos motivarmos ou inspirarmos. Porém, é importante não largarmos a mão da auto-compaixão, que não fechemos os olhos às nossas conquistas, às nossas competências e recursos, que respeitemos os nossos tempos e os dos outros. Seríamos tão duros com aqueles que amamos e com os seus erros, como somos connosco? Seríamos tão radicais e destrutivos?
O erro pode deter-nos e congelar-nos totalmente. Um aparente pequeno erro pode tomar proporções enormes na nossa cabeça. Poderá ser importante questionarmo-nos se o pior cenário possível será assim tão mau. Será? Sermos exigentes connosco e com os outros não é um problema, ou não tem de ser. É bom que queiramos dar o nosso melhor, que nos esforcemos para isso e é normal que nos sintamos frustrados quando as plantas que tanto tempo e suor custaram, não dão frutos. Mas lembremo-nos que há mais estações, às vezes algumas ligeiras adaptações fazem a diferença.
Errar é stressante, sobretudo num mundo que almeja a perfeição, como se fosse aquilo que é mais natural ao ser humano. Não será antes contranatura? Claro que existem contextos e contextos, há situações em que um erro apenas faz diferença aos nossos olhos exigentes e sedentos de perfeição, passando despercebidos aos restantes, mas há outros cujas consequências serão mais duras. Claro que não é, de todo, ideal ou desejável, que um médico cirurgião cometa um erro que se poderá revelar fatal na mesa de operações. No entanto, não significa que não aconteça ou não possa acontecer, por mais lamentável que seja. É importante sentirmos o peso da responsabilidade, mas não podemos deixar que este nos esmague.
Temos tanto medo de errar que, frequentemente, acabamos por não tentar. Por que razão é mais assustador fazer e errar, do que a quantidade de oportunidades incríveis que perdermos por não tentarmos? Qual seria a pior coisa que podia acontecer se aceitasses aquele convite para aquele projeto? Qual o pior cenário que pode acontecer se fizeres aquela apresentação em frente dos teus colegas que estão tão sujeitos a errar como tu?
Voltemos ao dicionário. Perfeito é algo notável, mas não será mais notável darmos o nosso melhor? Procurarmos superar-nos após cada fracasso, cada dificuldade? Levantarmo-nos, aceitarmos o nosso erro e ainda assim voltarmos a tentar? Ou até fazer por melhorar algo que já é muito bom?
O que é a perfeição?
Não sei se precisas de ouvir isto, mas és mais que os teus erros.
Imperfeitamente,
Maria João.
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