Sobre ser psicóloga - Dia Nacional do Psicólogo
- mariajoaocg98
- 4 de set. de 2024
- 4 min de leitura

Hoje é o Dia Nacional do Psicólogo em Portugal e não poderia deixar de vir aqui falar sobre uma das coisas que mais realização me traz: ser psicóloga. Ser psicóloga, como já partilhei por aqui, não foi algo óbvio para mim, ainda que agora, olhando para trás, me pareça quase absurdo não ter sido este o caminho que idealizei para mim desde sempre.
Tem sido uma caminhada desafiante, com muitas dúvidas, confusão, mas também com muita realização e superação. Ainda existem muitos momentos em que parece surreal dizer que sou psicóloga, não só pelo cenário terrível que desde cedo me traçaram da empregabilidade em Portugal, mas também porque me parecia algo bastante distante, mesmo nos momentos em que estava à beira de terminar o curso.
Vejo ser psicóloga como uma transformação constante, um processo altamente dinâmico de melhoramento, aprendizagem e questionamento. Quase como um processo em que nunca atingimos o “ser”, mas antes o “tornar” – estou constantemente a tornar-me numa psicóloga ligeiramente diferente, querendo acreditar que para melhor, mais competente e eficaz, mais fiel à psicóloga que quero ser. Sinto que isto acontece a cada consulta, a cada contacto, a cada relação terapêutica. Emociona-me pensar no quanto me transformo em simultâneo com os meus clientes, como a relação terapêutica que formamos me molda numa psicóloga (e até pessoa, porque estas partes não se desvinculam) também diferente – efetivamente ninguém sai ileso desta relação tão complexa e bonita, onde cabem tantas coisas, desde a vulnerabilidade, o confronto, a honestidade, o medo, a tristeza, a dúvida e também a alegria, muita alegria.
Sou muito grata pela profissão que tenho e considero-me uma verdadeira privilegiada por ter um lugar tão próximo e particular na vida dos clientes que acompanho, sendo muitas vezes uma confidente de verdades nunca vocalizadas fora do espaço terapêutico, uma testemunha do crescimento, mudança e resiliências humanas.
Estamos muito longe de sermos psicólogos no final do curso, sabemos tão pouco e temos tanto para aprender – na verdade, gosto de acreditar que teremos sempre imenso para aprender e que os maiores ensinamentos não estão nos livros, mas são transportados pelos nossos clientes e colegas de profissão. É altamente assustador iniciarmos a nossa carreira, não nos fazem perceber, pelo menos na minha perspetiva, o suficiente a quantidade de responsabilidade que trazemos na nossa profissão. Porém, acho que também só temos acesso a esta sensação na prática, quando a sentimos verdadeiramente e quando testemunhamos o que é estar em relação terapêutica com outro ser humano, quando realmente percebemos qual é o nosso papel e o poder que este pode ter.
No entanto, esta é uma profissão que exige muito de nós, está a anos-luz de distância de ser apenas “ouvir o outro” ou falar do conforto de um sofá ou poltrona, é muito mais do que “ser empático” e por isso não, nem “toda a gente pode ser psicólogo”. Ser psicólogo é saber ciência, é pôr em prática ciência, é ter método, ética, sensibilidade – por mais que possa parecer tudo muito fluido em sessão. É uma ciência recente, a explodir em várias vertentes com novo conhecimento, requerendo uma atualização constante. É uma profissão que requer um tremendo investimento em todas as áreas e que carece intensamente de valorização e reconhecimento. Felizmente, há cada vez mais gente que nos procura, que valoriza o nosso trabalho, mas ainda temos um longo caminho para percorrer, muitos preconceitos ainda para ultrapassar, porque psicólogo “não é para malucos” ou “para gente fraca”. Ainda temos de nos tornar mais acessíveis sem que isto signifique fazermos um trabalho precariamente remunerado. No final do dia, o psicólogo, no seu trabalho, não faz caridade, e fora do seu trabalho, também é humano.
Ainda hoje é o dia em que me emociono e fico surpreendida pela generosidade das pessoas que me procuram, da coragem de solicitarem ajuda, quer para as dificuldades existentes, quer para se melhorarem e irem ao encontro da versão mais saudável de si. Fico genuinamente impressionada com aquilo que nos é confiado enquanto psicólogos, da fragilidade que as pessoas se permitem mostrar na nossa presença. Confesso que desejo que este sentimento de “amazement”, um quase deslumbramento, se mantenha na totalidade da minha carreira, quase como um indicador de saúde profissional, não tomando nunca como garantido ou indiferente o que acontece na sala de consulta.
Todos os dias, mas especialmente hoje, gostaria de deixar o meu apreço e gratidão:
- A todos os colegas de profissão que continuam incessantemente a promover o nosso trabalho e a mostrar a sua utilidade e significância, sem desistirem, mesmo quando surgem dúvidas e medos;
- Aos colegas de outras áreas, nomeadamente a psiquiatria, que têm também feito um trabalho de aproximar e não de afastar as nossas áreas, promovendo um objetivo comum que nos une: melhorar a saúde dos nossos clientes – a saúde é mesmo multidisciplinar;
- Aos meus mentores e professores que abriram muitos caminhos e portas dentro da profissão e que lutaram ainda em tempos mais adversos que os atuais e não desistiram. E que contribuíram de tantas formas diferentes para quem sou e quero ser;
- Aos psicólogos que me acompanharam, sobretudo ao meu atual psicólogo, por terem sido um lugar seguro, um modelo do que pretendo ser em consulta e me proporcionarem um lugar de confronto e crescimento que me traz humildade para valorizar ainda mais o movimento que os meus clientes fazem todos os dias.
Por último e talvez mais importante, aos meus clientes, que confiam em mim, desde o início do meu percurso até agora e aos que hão-de vir. Sou imensamente grata pela vossa confiança, honestidade e generosidade. Inspira-me a vossa resiliência e coragem.
Maria João.
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