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Arriscar fora da zona de conforto

  • Maria João Gonçalves
  • 10 de mar. de 2021
  • 6 min de leitura

O medo de arriscar é algo que nos é comum, pelo menos quero crer que assim é. O medo envolve-nos e pode chegar a apoderar-se de nós, congelando-nos ou até fazendo-nos fugir. Causa-nos medo tudo aquilo que nos enxota, seja por uns centímetros ou por uns bons metros, da nossa zona de conforto.


Zona de conforto. Ah, aquele espaço, físico ou mental, que ao longo do tempo vamos arranjando e decorando de paz e sossego, com paredes, mais ou menos altas, que pintamos de previsibilidade e controlo. Aquele espaço que cheira a rotina e ao calor dos dias que se sucedem sem grandes percalços, recheado de constância. Lá está, gostamos daquilo que dance ao nosso ritmo, sem passos mais largos do que aqueles que nos habituámos a dar.


Todos precisamos de uma zona de conforto, de um lugar para nos abrigar da agressividade do mundo e daqueles que o habitam, um espaço conhecido onde podemos estacionar e recarregar as nossas baterias, onde nos conseguimos centrar e sintonizar com quem realmente somos e queremos ser, como um voltar às origens. Aquele sítio do mundo onde o tempo parece andar mais devagar e acolher-nos, sem exigências ou pressas. A zona de conforto é como o abraço dos nossos pais ou o lanche que a nossa avó prepara religiosamente de cada vez que a visitamos, é reconfortante na sua previsibilidade e voltamos a eles por sabermos precisamente o que iremos encontrar, porque sabemos que lá estará aquilo que sentimos precisar.


No entanto, a zona de conforto não é sítio para grandes tumultos, mudanças e variações, isso seria uma contradição. Ainda que o conforto seja tão necessário e saiba tão bem, não é tudo o que precisamos. Crescemos com a ideia de que o desconforto é mau e que deve ser evitado a todo o custo, mas o desconforto anda, muitas vezes, de mãos dadas com algo que tanto necessitamos: a mudança.


Mudança. Seja ela boa ou má, em maior ou menos grau, precisamos dela. A mudança leva à evolução, ao melhoramento, à riqueza e à colheita da experiência, mas sobretudo à aprendizagem. A experiência nasce da tentativa e da inexistência de garantia de que vai correr bem e dar certo. A mudança requer risco, requer saltar para o desconhecido ou para o pouco previsível sem saber o que nos vai esperar lá em baixo. Exige que arrisquemos ausentar-nos da nossa zona de conforto e colocar o pé fora do ninho confortável que moldámos, onde o diferente não entra e novidade não surge. A zona de conforto protege-nos, mas também nos limita. De certa forma protege-nos do mau, mas também do bom e impede-nos de nos desafiarmos, de sermos e fazermos mais.


Temos medo de arriscar porque temos medo que corra mal. De abdicarmos do previsível para investir em algo cujo resultado desconhecemos. Temos medo de sair do nosso ninho para a ele regressarmos com menos, acompanhados do fracasso, da vergonha e dos seus companheiros. A realidade é que sair da zona de conforto nunca significará um regresso empobrecido, voltaremos com mais, mesmo que não seja num sentido quantitativo. Experimentar vai sempre acrescentar-nos, dar-nos-á uma perspetiva diferente daquela acessível do nosso conforto, porque o solo deste nosso lugar seguro não é o mais fértil para o nosso crescimento e desenvolvimento.


Vivemos com a ideia de que sair da zona de conforto implica aceitar um bilhete só de ida, significando que ficaremos para sempre à deriva num mar agitado, desconhecido, onde não temos pé. Quando a realidade é que iremos ter sempre forma de regressar ao nosso lugar seguro, porque esse nosso conforto vive em tantas coisas diferentes, como se fosse um perfume que podemos reconhecer por aí, mesmo nos sítios mais improváveis e inesperados. É importante termos as duas coisas, o conforto, o previsível e familiar e, por outro lado, a aventura do desconhecido e do diferente.


A nossa zona de conforto não se mantém estática e, se assim o permitirmos, cada passo que damos fora dela, cada passo com entrega e determinação, mesmo quando as nossas pernas tremem, pode ser uma oportunidade de alargar este nosso cantinho e de nos irmos sentindo mais confortáveis com mais coisas. De repente, o desconhecido de ontem, é terra firme e segura hoje.


O medo de arriscarmos e de darmos o salto não tem de ser um salto cego e não ponderado. É importante que planeemos se isso nos fará sentir mais seguros do passo que damos no que não conhecemos, mas é igualmente importante percebermos que nunca teremos todas as informações, nem saberemos os desfechos das nossas decisões à priori. Algo me diz que mesmo que soubéssemos o final dos caminhos que temos à nossa disposição, continuaríamos sem saber o que escolher. Voltamos à questão do controlo. Por mais que nos custe arriscar e fazer algo novo, seja um novo trabalho, uma relação, um projeto, um novo corte de cabelo, ou outra coisa qualquer, vai ser um jogo de probabilidades. Pode correr muito bem ou não, não num sentido dicotómico, mas mais num contínuo. Vai existir sempre a probabilidade de não corresponder às nossas expetativas ou às dos outros, de não nos trazer tanto gosto como esperávamos ou de depararmo-nos com o que chamam de fracasso, mas vamos sempre saber mais, mesmo que doa e corra terrivelmente mal.


Trazemos para a nossa zona de conforto aquilo que sabemos que queremos para nós, aquilo que achamos fazer-nos bem. No entanto, sair da zona de conforto permitir-nos-á descobrir outras coisas que queremos ainda mais ou que nos trarão ainda maior satisfação. É lá que também iremos descobrir aquilo que não queremos para nós e isso é uma aprendizagem tão ou mais importante do que saber o que queremos. Sinto que de alguma forma existe a ideia de que é muito mau e negativo, quase um fracasso, arriscar em alguma coisa e percebermos que não gostamos, como um curso por exemplo. À partida acharmos que é aquilo o ideal para nós e mais tarde perceber que afinal não é bem o que esperávamos que fosse. As pessoas preocupam-se muito com o tempo que gastam nestas que consideram tentativas falhadas, como se fosse apenas uma perda de tempo, mas se são capazes de enumerar uma variedade de coisas que aprenderam, como é que o saldo pode ser negativo? Se não tentássemos nunca iríamos saber. Estas tentativas que não correm como o esperado, pela negativa, ajudam também a moldar o nosso caminho e permitem-nos focar nas restantes possibilidades que continuam "em cima da mesa".


Na altura de arriscar são muitas as vozes que ouvimos na nossa mente. "Ninguém vai querer ler o que escrevo", "e se arrisco e não corre como esperava?", "o que é que vou conseguir trazer de novo?", "não estava melhor no meu canto sossegada?". A decisão de arriscar vai ter de partir sempre de nós, vai requerer fé em nós e nas nossas capacidades para darmos o passo e avançar, mesmo que com muito custo. Porém, acho que aqueles que habitam a nossa zona de conforto e que são também personificações do que é a nossa segurança, têm um papel preponderante nas direções que os nossos passos tomam: em frente mesmo pelo desconhecido ou apenas em círculos no familiar e já caminhado. É importante rodearmo-nos de pessoas que nos trazem à nossa essência, que nos reconfortam e embalam, pessoas que são casa e abrigo, mas que também são o empurrão que precisamos para avançar, para arriscar, para saltar, porque estarão presentes como uma rede de suporte de um trapézio, prontos para nos amparar.


Com isto, quero transmitir que é normal sentirmos medo de arriscar, medo das consequências de o fazer e do desfecho que o passo no desconhecido pode ter. É normal sentir o frio na barriga quando nos ausentamos do nosso espaço seguro, daquilo que sabemos fazer bem e que já fazemos há muito tempo e arriscarmo-nos em coisas que não são a nossa especialidade ou o nosso habitual. O desconfortável não o será para sempre, se for realmente algo que te dá gosto e te traz realização. Permite-te sentir o desconforto da mudança, reúne as tuas forças e arrisca, qual é a pior coisa que pode acontecer? E se surgiu na tua mente uma lista com várias razões que te impedem de avançar, desafio-te a fazeres uma outra lista de formas de diminuir a primeira.


O que gostava de incentivar é que penses, nestes momentos de "salto ou não salto?", em como começaste. Olha em torno da tua zona de conforto, daquilo que hoje fazes e és tão bem, e pensa se sempre foi assim tão natural ou confortável, ou se tiveste de fazer um percurso até aqui. Todos começamos no início, na insegurança da inexperiência, no erro com mais frequência e com um monte de "e se?". Os mares em que hoje navegas e conheces tão bem, onde te deixas boiar e apreciar o sol que bate na tua cara, são os mesmos onde antes te debatias para encontrares um sítio com pé e estabilidade - são os mesmos, tu é que cresceste, floresceste do desconforto e tornaste o desconhecido parte da tua zona de conforto.


(Des)Confortavelmente,

Maria João.

 
 
 

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