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Eu fui, eu sou, eu serei - o luto por quem já fomos

  • mariajoaocg98
  • 6 de mai. de 2021
  • 4 min de leitura

Existem diferentes versões nossas ao longo dos anos. Claro que a nossa personalidade e a nossa essência no fundo se mantêm, em maior ou menor grau. No entanto, todos nós vamos mudando, não só é inevitável, como desejável. Passamos por diversas situações, boas e más, que nos moldam, que nos influenciam e que certamente geram mudanças em quem somos, na maneira como vemos o mundo e como estamos nele.


A vida não passa por nós e nós ficamos simplesmente indiferentes, inalteráveis. E ainda bem. No entanto, parece existir alguma resistência perante esta mudança, como se de repente não fosse aceitável ou correto mudarmos, irmo-nos moldando às circunstâncias da vida e ir mudando, por mais que seja um movimento mais ou menos inconsciente. Não somos menos autênticos a quem somos por irmos mudando, irmos evoluindo. Tal como as nossas roupas que ao longo do tempo nos vão deixando de servir ou deixam de ir ao encontro do nosso estilo, também há aspetos nossos que deixam de nos fazer tanto sentido ou que precisam de afinações.


No outro dia, numa sessão, ouvi um terapeuta dizer algo que me fez imenso sentido, "por vezes é preciso fazermos um luto das pessoas que já fomos". Acho que realmente este luto é importante, não só porque requer uma aceitação daquilo que já fomos e daquilo que somos atualmente, mas também porque a mudança acaba por se inevitável e muitas das vezes acabamos por nos prender a versões antigas de nós, como que rejeitando as evoluções que até agora fizemos. Creio que isto muitas vezes acontece porque aqueles que nos rodeiam também acabam por não se quererem desprender dessas versões menos recentes de nós, "tu não costumavas ser assim", "quem te conhece sabe que não és assim". E de repente, por vezes subtilmente e por outras abruptamente, é como se nos fosse negado o direito à mudança.


Como se negassem ou invalidassem o direito de aprendermos com os nossos erros e escolhermos fazer diferente das outras vezes, o direito de nos protegermos do que já nos feriu ou do que nos colocou numa situação mais frágil, o direito de mudar o que já não nos serve, o direito de mudarmos de opinião. O que aconteceria se não evoluíssemos e nos mantivéssemos estáticos ao longo de todos os anos que passam?


Há tantas mudanças que são aconselháveis e incentivadas, ir para o ginásio, comer de forma mais saudável, ler mais, entre tantas outras, mudanças que acabam por ser de fora para dentro. No entanto, há certas mudanças internas que nos levarão a sentir bem-estar, talvez até um maior bem-estar do que as anteriormente mencionadas, não que essas devam ser descuradas. O autocuidado não vem só de fora, vem também da limpeza e reflexão interna que por vezes precisamos e queremos fazer. Seja uma limpeza das pessoas tóxicas que nos sugam energia e que precisam de ter limites mais claros no acesso à nossa vida ou não ter acesso de todo. Das pressões externas a que cedemos e que nos afastam daquilo que realmente queremos para o nosso caminho. Da forma como olhamos para nós e nos negligenciamos.


Porém, a mudança pode ser lenta e muitas vezes dolorosa, abandonarmos maus hábitos, como já falámos, é necessário, mas pode exigir de nós muita força de vontade e consistência, sendo que as recaídas podem ser inevitáveis em alguns casos. A mudança não pode ser parada, vai acontecendo, mesmo que de forma muito subtil. Se pensares em quem és hoje e em quem eras há 3 anos irás, certamente, encontrar diferenças, não só ao nível mais físico, mas também ao nível mais interno e psicológico e, provavelmente, relacional. Talvez notes uma maior maturidade, talvez um grupo de amigos diferentes ou mais reduzido, quem sabe uma maior consciência e conhecimento sobre ti e quem és, o que gostas ou não, o que admites e não admites que te façam ou digam, o que queres ou não queres.


Temos de parar de ter medo da mudança. Temos de começar a ver o potencial que a ela está associado. A mudança é sempre uma oportunidade. Cabemo-nos agarrá-la e tirar dela o melhor possível.


Certamente existirão versões de ti que gostas de relembrar e, quem sabe, até gostarias de voltar a ser. Como quando eras criança, mais ingénua, com uma maior capacidade de acreditar na magia do mundo e das pessoas, mais atenta ao aqui e ao agora e liberta dos pesos da responsabilidade. No entanto, falo pelo menos por mim, tudo o que eu queria ser quando era criança, era ser grande, ter as responsabilidades dos adultos e poder ser independente, seja lá o que isso significava na minha cabeça nessa altura. Tudo tem o seu tempo e tudo acaba por ter os seus prós e os seus contras. Se por um lado a ingenuidade que tínhamos em crianças nos permitia sonhar alto, só quando crescemos é que temos possibilidade de começar a pôr mãos à obra para a realizar muitos desses sonhos e torná-los na nossa realidade.


Somos como peças de arte, feitas de barro ou argila, cada um de nós é uma peça única e moldável, pelo tempo que passa e ao qual não somos indiferentes, pelas pessoas que conhecemos, pelos lugares onde vamos, pelas relações que criamos, nutrimos e/ou abandonamos. Somos o mesmo bloco de barro inicial, puro e intocável, mas agora temos uma forma diferente e daqui a um ano teremos uma forma também diferente da atual, não necessariamente melhor ou pior, mas distinta. Com diferenças mais ou menos percetível, mas elas estarão lá. Somos uma obra de arte inacabada até ao nosso último dia.


Molda-te, permite que o tempo e os outros te moldem também. Não tenhas medo de já não seres quem eras.


Maria João.

 
 
 

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