top of page

Há beleza no incerto

  • Maria João Gonçalves
  • 30 de abr. de 2021
  • 4 min de leitura

Queremos muito chão firme, certo, do qual sabemos perfeitamente a composição. Tudo o que traga pouca certeza faz-nos tremer por dentro e réplicas de um sismo vão ecoando em nós.


Desde que me lembro de mim que procuro a certeza nas coisas, uma certeza que me reconforte e que me dê luz verde para avançar, como quem diz "avança, é seguro". No entanto, essa luz raramente está presente, porque por mais conhecido que seja o caminho que vemos à nossa frente, não podemos prever com toda a certeza do mundo o desfecho dos passos que damos. Dei por mim, muitas vezes, a não avançar por estar à espera e à procura da tal luz verde, a tal certeza de que vai correr bem, que vai dar certo, que é o caminho onde devia estar.


No entanto, ao longo do meu percurso, sobretudo enquanto estudante, fui aprendendo que esta luz não existe, no máximo poderá ser uma luz amarela, do género "avança, mas com precaução". A verdade é que, para vos ser muito honesta, as melhores coisas que me aconteceram na vida resultaram de momentos em que avancei sem fazer a mínima ideia do que me esperava, sem qualquer tipo de luz externa a indicar-me que estou onde é suposto. Sinto que havia essa luz dentro de mim, não necessariamente uma luz de certeza, mas uma luz de vontade, uma intuição de "arrisca, venha o que vier, vai valer a pena".


Trabalhei durante três anos movida pela vontade de ingressar no curso de medicina e quando abri o email que dizia que tinha sido aceite em psicologia, uma das minhas últimas opções, senti que todas as possíveis luzes que existiam se tinham apagado. Cheia de incertezas avancei, lá está, talvez iluminada por essa possível luz interior. Dei uma oportunidade a algo que não era sequer um caminho alternativo ao que tinha traçado para mim, mas antes uma rota completamente diferente. Isto permitiu-me descobrir uma área que adoro e a profissão que quero desempenhar durante a minha vida.


Mesmo o meu percurso na universidade foi marcado pela incerteza. A certo ponto sentia que todos tinham tudo super delineado e pensado e eu ainda andava a "apalpar terreno", a tentar perceber o que queria ou o que mais gostava. Sentia-me deslocada, como se já fosse suposto ter todas as respostas, todos os planos traçados. A verdade é que fui descobrindo as coisas à medida que ia caminhando e descobri que pode ser tentador saber o que mais gostamos, mas muitas vezes é-nos mais útil sabermos o que não queremos ou o que não nos faz tanto sentido.


Senti-me muitas vezes "errada" ou atrás dos outros, como se fosse suposto estar num ponto do percurso onde não estava. Agora sou capaz de olhar para trás e ver que nunca estive nessa posição. Nunca tive grandes certezas, mas fui ganhando algumas ao longo do percurso. Não ter grandes planos, nem ideias muito fixas, ajudou-me a não me limitar, a explorar um pouco de cada área do curso, a arriscar mesmo naquelas cadeiras que os restantes não gostavam tanto por não ir ao encontro dos planos que já haviam traçado. Isto permitiu-me experimentar diferentes perspetivas e formas de pensar, ajudou-me a contactar com o diferente e com a diversidade. Talvez se tivesse ficado demasiado presa a planos não teria dado oportunidade para conhecer outras coisas, se calhar aquelas que hoje mais me preenchem. Quando entrei no curso nunca sequer tinha colocado em questão a terapia familiar e de casal. No entanto, como não sabia o que queria, decidi optar por descobrir e conhecer um pouco de tudo e começar por perceber o que não queria ou não gostava.


A terapia familiar e de casal veio-me surpreender pela positiva e entrou para o meu top de áreas preferidas. Esta não é a única área que me suscita interesse, aliás tenho um grande leque de áreas e contextos de intervenção que quero explorar no futuro. Se há uns meses isto me assustava imenso por ter o meu "propósito" suficientemente definido ou especificado, hoje sinto que é uma mais valia. Ter interesses por várias coisas, mesmo que coisas totalmente opostas e que nada têm a ver umas com as outras, não tem de ser uma desvantagem ou algo mau. Dá-nos flexibilidade e mais espaço para experimentar. Alimenta a tua curiosidade.


A incerteza vem de todos os lados da nossa vida, faz parte da nossa existência. E se estivermos constantemente à espera da luz verde jamais avançaremos. É uma lição e um desafio avançarmos perante a luz amarela ou até mesmo às cegas. Às vezes as melhores oportunidades vêm dos momentos em que sentimos as pernas a tremer, em que a certeza é reduzida. As certezas podem também ir sendo construídas ao longo do tempo. Projetos novos ou experiências fora da nossa zona de conforto geralmente vêm sempre acompanhadas de uma grande dose de incerteza, precisam de ser moldados e explorados, para que possam também ir adquirindo certeza.


Muitos de nós passam parte do seu tempo a fazer grandes planos, detalhados e projetados com toda a atenção, sem a lembrança de que há muitas variáveis exteriores a influenciar o desfecho. Não há mal em fazer planos, em projetar e querer reunir a maior percentagem de certeza possível, mas há mais fatores que podem influenciar. Não só externos, também fatores internos. E quando digo que pode influenciar o desfecho daquilo que planeamos, não quero dizer que tem de ser algo, necessariamente, mau, pode ser bom, mas simplesmente diferente do que tínhamos planeado. Há beleza na diferença. Não podemos controlar tudo e às vezes as coisas que ficam ao acaso e que não conseguimos controlar são aquelas que vêm acrescentar mais valor às nossas experiências.


Se tu também achas que não estás onde "devias" estar, se achas que estás de alguma forma atrasado e que já devias estar aqui ou ali, com esta ou com aquela certeza, dá-te tempo. Permite-te descobrir. Não há nada de errado em não saber para onde queres ir ou em teres várias possibilidades. Descobre, explora. Não saberes exatamente o que queres abre-te as portas para um mundo de oportunidades, agarra-as. Permite-te descobrir-te, experimenta mesmo aquilo que dirias "gosto, mas talvez não seja para mim". Se não gostares, avança, ao menos já sabes isso.


Há beleza no incerto, mas sobretudo existe potencial. Existe potencial naquilo que ainda não sabes sobre ti e sobre o mundo. A certeza de que algo não funciona para ti ou não te faz feliz vem da experiência e geralmente é mais útil do que a incerteza se funcionará ou não. Não te limites.


Maria João.


 
 
 

Comentarios


  • Instagram

©2021 por Tsunamis Mentais. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page