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O conflito trabalho-família: ser workaholic é cool?

  • Maria João Gonçalves
  • 18 de abr. de 2021
  • 5 min de leitura

O tema da minha dissertação de mestrado foca-se na conciliação do trabalho com a família, mais especificamente no conflito que pode resultar da tentativa de conciliar estas duas esferas com tanto peso na nossa vida. Hoje quero falar-vos de uma forma mais alargada, isto é, falando em trabalho quero incluir também os estudantes, porque a realidade é que durante muitos anos o nosso trabalho é esse mesmo, estudar. Além disso, quando digo família, quero também incluir aqui o tempo que dedicamos aos nossos amigos e a momentos de lazer.


Seja qual for a nossa ocupação profissional ou académica, ela preenche uma grande parte no nosso tempo e requer, por vezes, alguma ginástica da nossa parte para que seja devidamente conciliada com outros aspetos da nossa vida pessoal, como os momentos em família ou momentos de lazer com amigos ou até sozinhos. Por vezes esta conciliação é pacífica e dela não resulta qualquer tipo de conflito, por mais desafiante que em certos momentos possa ser. No entanto, noutros momentos esta conciliação pode dar origem a conflito, o que pode ser altamente stressante e prejudicar a nossa saúde mental e física, a nossa performance profissional e as nossas relações interpessoais.


Este conflito entre o trabalho e a família é bidirecional, isto quer dizer que tanto pode existir uma interferência negativa no trabalho causada pela família (conflito família-trabalho), mas também uma interferência na família por causa do trabalho (conflito trabalho-família), sendo este o mais frequente ou intenso. Independentemente da direcionalidade do conflito, existem três grandes fontes para ele surgir: tempo, tensão e comportamento.


O tempo é um recurso limitado, por isso, o tempo que dedicamos ao nosso trabalho não poderá ser investido noutra área da nossa vida. Este é das fontes de conflito mais comuns, porque é nos exigido cada vez mais dedicação ao trabalho, as tecnologias que existem hoje dificultam este "desligar" da esfera profissional e delimitar o que é tempo para trabalhar e o que é tempo para estar, por exemplo, com a família. No entanto, também existem momentos da vida em que as exigências familiares são maiores também ao nível temporal e acabam por deixar menos disponibilidade para a esfera profissional, como por exemplo o nascimento de um filho ou as necessidades de cuidar dos pais ou avós. A realidade é que o tempo não estica e é um bem precioso que deve ser bem repartido pelas várias áreas da nossa vida, para que não existam áreas que são negligenciadas constantemente.


A tensão também é uma das fontes deste conflito. Quantos de nós nunca descarregámos em algum familiar a irritabilidade ou frustração proveniente da nossa vida profissional? E quantos de nós não discutiram com algum amigo ou familiar e isso prejudicou ou influenciou a nossa capacidade de concentração nos nossos afazeres? Não existe um interruptor, não existe um "eu-trabalhador" e um "eu-pessoa". O campo profissional e o campo pessoal não são estanques e independentes, aliás podemos considerar que existe uma fronteira entre eles que é permeável e, por isso, para o bom e para o mau influenciam-se mutuamente.


Finalmente, também está estudado que este conflito pode ter uma origem comportamental. Por exemplo, a postura que é exigida ou esperada de um advogado durante a sua performance profissional, não será certamente aquela que os seus filhos e esposa esperam dele. Como são esferas distintas, em maior ou menos grau, existe uma expetativa ao nível comportamental para cada uma delas. O conflito acaba por surgir pelo que já foi referido, não temos um interruptor mágico e acabamos por necessitar de um período de adaptação entre áreas, para que o nosso comportamento possa "fazer sentido" naquele contexto.


Agora teorias à parte, tenho vindo a refletir no facto do conflito que o trabalho gera na família e na esfera pessoal ser mais comum do que o inverso. Sinto que a maioria de nós negligencia a esfera pessoal a custo da profissional. Não me interpretem mal, não vivemos do ar e a grande maioria de nós precisa de trabalhar para se conseguir sustentar e ter qualidade de vida. Ainda não trabalho, encontro-me na reta final do meu percurso académico, mas dou por mim, demasiadas vezes, a colocar no último plano o meu bem-estar, saúde mental e as minhas relações pessoais. Nas reuniões que se vão encaixando no último minuto, nas horas de almoço que deixam de existir porque tenho de fazer isto ou aquilo naquele momento para aproveitar cada bocadinho, nos cafés, jantares ou o que seja que se vão desmarcando com amigos e familiares porque agora não tenho tempo, nos treinos ou outros momentos de lazer que tanto contribuem para a minha sanidade mental que são adiados porque a prioridade geralmente não sou eu, nem os meus.


Há, claramente, alturas mais trabalhosas e que requerem que mais tempo e recursos sejam investidos na esfera profissional, mas a realidade é que se isto for uma constante as outras áreas da nossa vida serão prejudicadas. O nosso bem-estar será prejudicado. Andamos constantemente a adiar coisas, a deixar para depois, para "quando tivermos tempo", mas quando é que isso será? É verdade que estarmos com a nossa família, com os nossos amigos ou até sozinhos não paga as contas, não avança a nossa carreira profissional, mas são momentos que nos trazem muitas outras coisas que devemos começar a valorizar. É um espaço para descompressão, para desfocar das responsabilidades profissionais (nem que seja para focar noutras, mas pelo menos diferentes), um espaço de amor e aceitação, de cuidado.


Trabalhar faz parte da vida, mas a vida não pode ser só trabalho, senão chegaremos a uma exaustão tal em que não seremos capazes nem de trabalhar nem de aproveitar o resto. De que nos vale termos trabalhado imenso, se perdemos momentos fulcrais daqueles que mais amamos? É importante que haja um equilíbrio, nem sempre nem nunca, nem oito nem oitenta. Se num determinado momento o nosso trabalho é prioridade e foco de atenção, noutros certamente que esse foco deve ser colocado nas outras áreas da nossa vida. Isso também tem de partir de nós, de impormos e definirmos melhor as nossas prioridades e limites.


Li uma publicação no instagram da Carolina Deslandes e não poderia concorda mais. Criou-se esta cultura de que ser workaholic é que é cool, mesmo que isso implique sacrificarmos a nossa família e, pior, nós próprios, o nosso bem-estar, a nossa saúde mental. Abdicamos dos lugares e das pessoas que nos trazem paz, felicidade, consolo e tantas outras coisas, porque "parar é morrer" e porque, como ela disse, "quem corre por gosto não cansa", o que fica depois disso? Tenho a certeza que há muitos filhos eternamente gratos aos pais pelos esforços que fizeram e fazem para que eles possam estudar e ter todas as comodidades e mais algumas, mas que abdicariam de umas quantas para terem tido a oportunidade de terem os pais a jantar com eles ou a assistirem aos seus espetáculos da escola ou, pelo menos, a prestarem atenção ao que eles diziam nos únicos 10 minutos em que conseguiam apanhar o pai ou a mãe disponíveis para os ouvirem. Mesmo na vida académica, há muitos que perdem momentos marcantes e bonitos, porque todo o tempo tem de ser dedicado ao estudo. Tem de existir um equilíbrio.


A vida é curta. O trabalho e os estudos trazem-nos muitas coisas, enriquecem-nos e se tudo correr bem podem trazer-nos muita realização, mas não é a única área de onde isto pode vir. O que é que estamos dispostos a sacrificar pela carreira de sonho?


Maria João.



 
 
 

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