O Filtro das Emoções
- Maria João Gonçalves
- 13 de fev. de 2021
- 3 min de leitura
As emoções podem ser assustadoras. Sobretudo aquelas que, desde cedo, fomos ensinados a não abraçar, tal como a tristeza - afinal, as crianças bem comportadas não choram - ou a raiva - porque, as crianças boazinhas não ficam chateadas, nem fazem birras. Fomos ensinados que devíamos antes abraçar a felicidade, a paixão, o amor, a realização, a diversão e todos os seus amigos. Tudo aquilo que desenhasse em nós um sorriso e nos fizesse sentir borboletas no estômago.
Aos poucos vamos criando um filtro emocional dentro de nós, como se além da pele e de todas as camadas, tivéssemos uma rede, tal e qual um coador. Filtro este onde tudo aquilo que possa fazer tremer o lema "está tudo bem" fica retido e impossibilitado de ser trazido à presença da nossa consciência e reflexão. Assim, apenas aquelas emoções que nos incentivam a abraçar passam. Todo o resto fica suspenso na rede do coador. Afinal de contas quem é que se quer sentir triste ou zangado?
A questão é que estas emoções não desaparecem, ficam ali aprisionadas. Partículas de tristeza, revolta, mágoa, desilusão, culpa, raiva. Mas quem é que vai limpar a rede deste coador? A realidade é que somos os únicos que podem fazer a manutenção deste filtro, ainda que possamos recorrer a alguma ajuda. Por que razão não nos transmitem que essas partículas também devem passar, também devem ser devidamente sentidas? Preferencialmente à medida que vão surgindo, ao invés de ficarem a acumular-se num filtro, ganhando peso e aglomerando-se, até este rebentar e sermos assoberbados por uma quantidade avassaladora de emoções. Emoções de hoje, de ontem e algumas de há anos.
Estas emoções que vamos deixando acumular, ignorando e fazendo vista grossa, não têm prazo de validade, muito pelo contrário. Quanto mais tempo ficam a marinar neste filtro de transição entre aquilo que nos é alheio e aquilo que nos permitimos sentir, intocáveis e ilusoriamente silenciosas, mais força ganham. Crescemos com a crença de que existem emoções boas e emoções más. No entanto, creio que as únicas emoções más são aquelas que não nos permitimos sentir, aquelas que deixamos a apanhar pó, na esperança de que se não olharmos elas não existirão mais. Assim ficamos desabituados de sentir um abraço da tristeza ou um empurrão da raiva. Tememo-las como se nos pudessem engolir, tomar um proporção enorme e consumir-nos até não conseguirmos sentir mais nada.
Ainda que uns mais contidos que outros, conseguimos expressar a nossa felicidade, mas quando se fala da tão evitada tristeza refugiamo-nos, por exemplo, em músicas como se só elas conseguissem expressar exatamente como nos sentimos. Aos poucos perdemos o toque e o contacto com aquilo que sentimos, na sua plenitude pelo menos. Vamos perdendo o hábito, talvez até a coragem, de falar, mais que não seja connosco, sobre o que realmente em nós habita. Enredados em "tudo bens" apressados e despidos de autenticidade e em sorrisos vazios pintados nas redes sociais quando, por vezes, o mundo está a desabar dentro de nós.
"Tens de pensar positivo", "existem tantas coisas piores", "há pessoas em situações mais complicadas". Há sempre motivos para adiar a nossa tristeza, a nossa raiva, tudo aquilo que possa fazer tremer o conto perfeito de felicidade inabalável e invariável. Há quem passe uma vida inteira a correr, na tentativa de fugir das emoções que tanto dizem para não sentirmos, sem nunca perceber que passou a vida a fugir de si próprio. Fugir destas emoções não é como fugir de um animal que nos persegue, é fugir de nós mesmos, de quem somos: humanos. É negar uma das componentes da experiência humana e que tanto contribui para lhe dar sentido. Como é que fugimos de nós? Mesmo que isso seja possível, se passarmos a vida a fugir de nós, quem seremos no final?
Somos humanos e, por isso, por vezes, sentimo-nos tristes, desiludidos, magoados, arrependidos. Sentir isto não será nunca condição para não nos sentirmos felizes, apaixonados, contentes, realizados. São faces da mesma moeda.
Vamos abraçar todas as nossas emoções, escutá-las e refleti-las. Partilhá-las se assim o quisermos.
Com amor (e todas as emoções),
Maria João.
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