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"O que é que EU fiz de errado?"

  • Maria João Gonçalves
  • 25 de fev. de 2021
  • 4 min de leitura

Terminei recentemente de ler o livro "Tudo O Que Temos Cá Dentro" do genial Doutor Daniel Sampaio. Lanço-te o desafio de leres esta crua, realista e humana história, que, por tudo isto, se torna tragicamente bonita.


Spoilers à parte, este livro levou-me a reflexões importantes. Tenho dado por mim a pensar na forma como ingenuamente e de forma (quase ou talvez) egocêntrica tendemos, em algumas situações, a responsabilizar-nos pelo comportamentos dos outros, os bons e os maus. Refiro-me, por exemplo, a episódios como o seguinte: alguém do nosso círculo próximo em determinado dia nos responde de forma mais reativa ou brusca a algo que dissemos, que não nos parece ter nada de "errado" que possa ter levado a tal reação.


Quantas vezes não aconteceu algo semelhante e um dos primeiros, senão mesmo o primeiro, pensamento que nos invade a mente é "o que é que eu fiz de errado"? À semelhança do querido Nuno que o Doutor Daniel acompanhou nas suas consultas e que procurava uma explicação para o suicídio da Rita, tendemos a olhar apenas para nós, vasculhando exaustivamente as nossas memórias na busca do mais pequeno erro ou passo em falso, que possa justificar o comportamento do outro.


Ainda que o nosso comportamento tenha um inegável impacto na forma de estar dos outros à nossa volta, ele não é justificação suficiente para tudo o que acontece - quão egocêntrico da nossa parte é achar que assim o é? Existe uma diversidade inacreditável de fatores que contribuem para que as pessoas se comportem de uma forma em detrimento de outra ou tomem esta decisão e não aquela. No entanto, tendemos em colocar aos nossos ombros a responsabilidade dos comportamentos dos outros, muitas das vezes quando estes erram connosco ou nos ferem. Assim, tendemos a atribuir a responsabilidade há única variável que realmente conhecemos: nós próprios.


"Será que eu não podia ter dito as coisas de outra forma?"

"Será que eu podia ter sido melhor?"


Cada indivíduo é um mundo, particular, único e complexo. Há coisas que quase todos sabem sobre nós, outras que escolhemos, cautelosamente, com quem as partilhar e outras que guardamos apenas para nós. Somos elementos dos mais distintos sistemas. Somos filhos, netos, alguns pais, avós e irmãos. Somos amigos, colegas, vizinhos, trabalhadores. Somos alunos e/ou professores. Somos cidadãos. Desempenhamos vários papéis e ainda que sejamos uma só pessoa, seremos uma versão diferente para cada pessoa que está na nossa vida, o que não coloca em causa a nossa autenticidade ou genuinidade, não se trata disso, mas sim de perspetiva. Mostramos a cada pessoa diferentes porções de nós.


Com isto, quero dizer que não temos como conhecer por completo o outro. Até parece algo ridículo de ambicionar, quando, muitas vezes, nem a nós próprios conhecemos totalmente. Então que sentido terá colocarmos em nós a justificação para o que o outro é ou faz? Com isto não quero dizer que das nossas mãos lavemos a responsabilidade, como se o que o outro faz nos fosse alheio e vice versa. Por outro lado, nesses momentos em que o nosso primeiro pensamento é culparmo-nos, não será importante pensar no quão exagerada e até descabida é a ideia de sermos a razão de tudo, como se não existisse qualquer outra variável no mundo?


A relação que não dá certo porque eu não sou suficiente. A discussão que se exaltou porque eu disse a coisa errada. A amizade que terminou porque eu não liguei mais vezes. O filho que teve problemas em determinada área da vida, porque os pais erraram. (...) A Rita que se suicidou porque o Nuno não a amou na medida certa.


Colocaríamos, em circunstâncias "normais", a responsabilidade de tudo o que fazemos naqueles que direta ou indiretamente interagem connosco? Não será que deveríamos ter mais cautela no momento de desresponsabilizar o outro (ou os outros da vida do outro) pelo que acontece e pela forma como este se comporta junto de nós?


Uma relação, seja de que natureza for, não é unilateral, inclui duas pessoas, que constroem, juntas, algo diferente. No entanto, além de um "nós" que se cria, existem também dois "eu" na equação, duas individualidades, dois mundos distintos. Isto não acontece no vazio ou num mar morto. Nós e as relações que temos nascem, vivem e morrem em mar aberto, num contexto mais alargado, cheio de ondas alheias, mais ou menos forte, que não controlamos ou conhecemos. É importante termos a consciência que somos seres em interação e que quem somos e o que fazemos influencia, tanto positiva como negativamente, os outros. Por outro lado, é também importante perceber que não somos a única influência dos outros, não só existem outras pessoas e outros fatores externos, como também fatores internos.


Não te trago nenhuma conclusão mágica, aliás este não será o lugar indicado para isso, se é o que procuras. Aquilo que quero transmitir é que o Doutor Daniel Sampaio me fez refletir sobre a forma como devemos forçar-nos a alargar o nosso foco, não ver só o eu e o outro, mas ver em maior escala, por mais que estejamos pouco habituados a fazê-lo. Procurar razões alternativas para o que acontece à nossa volta e não saltar para conclusões precipitadas, dar aos outros e a nós próprios o benefício da dúvida, com a consciência de que as situações, sejam elas quais forem, dificilmente serão uma questão de preto ou branco, tendo muitos cinzentos pelo meio.


Maria João.

 
 
 

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