Querida frustração...
- Maria João Gonçalves
- 1 de mar. de 2021
- 7 min de leitura
[dia 26 de fevereiro de 2021]
Confesso que hoje abri o computador, com o desejo de escrever algo para este nosso espaço. Fiquei a olhar para esta página em branco, semelhante ao rascunho mental até agora vazio que me tem acompanhado nestes últimos dias, sem saber o que nele escrever. A par de ser mais respeitadora da minha pessoa e das minhas emoções, tenho também procurado fazer o exercício de questionar mais o que em mim habita, sobretudo o que me preocupa ou inquieta. Tem-me ajudado a identificar problemas, dificuldades ou aspetos a melhorar, sendo um primeiro passo para colocar mãos à obra para qualquer que possa ser a solução ou atenuação destes estados de espírito mais rebeldes. Assim, questionei-me "porque é que esta página continua vazia? O que me rouba a energia neste momento e me impede de aqui estar focada, neste que é um espaço seguro para mim?". Depois de alguma reflexão cheguei à conclusão que o que me tem roubado alguma energia, não só hoje, como nos últimos dias, é a frustração. Uma vez que é este o tsunami que ondula na minha mente, falemos sobre ele, falemos sobre a frustração.
O que é isto da frustração? De acordo com o caríssimo dicionário Priberam (sim, voltamos a ele e provavelmente não pela última vez), é um "sentimento de insatisfação ou de contrariedade, geralmente causado pela não concretização de um desejo, de uma expetativa, de uma necessidade ou de um objetivo." É curiosa a forma como uma definição de uma palavra pode dizer tanto e ao mesmo tempo tão pouco, provavelmente, porque muito mais que uma palavra é um sentimento. Hajam palavras para descrevermos os nossos sentimentos, mas será que algum dia lhes farão justiça?
A frustração pode congelar-nos, tal como me congelou até há uns segundos atrás, perante esta folha branca, agora já com letras a saltitar. Pode colocar-nos "on edge" e fazer-nos estar mais reativos a coisas que, habitualmente, não nos impactariam da mesma forma. Pode minar a nossa confiança e fazer-nos questionar se desistir não seria um caminho mais fácil e menos doloroso... certamente seria, mas seria o caminho certo?
Não vos vou aborrecer com os motivos a partir dos quais a minha frustração germina, mas vou falar-vos da terra onde estes motivos residem: a necessidade de controlo. Deixem-me ser egocêntrica por uns parágrafos e achar que todos os seres humanos sentem (tanto) como eu, perdoem-me possíveis generalizações, talvez fruto deste estado que me assola.
Acredito que, em maior ou menor grau, todos nós temos uma necessidade de controlo, uma necessidade de lutar contra a imprevisibilidade. Vivemos nesta ilusão de que controlamos muito mais do que realmente está ao nosso alcance. Eu entro no grupo daqueles que gostam de tudo contado, organizado, planeado. Gosto de saber "às quantas ando". Ora, são dias difíceis para quem gosta de ter o controlo, não é? A verdade é que esta pandemia nos levou isso, além de tantas outras coisas.
Ainda que a pandemia seja um assunto central, mais que relevante e com direito a todo o destaque, desde sempre que existem coisas, que de uma forma ou de outra, nos despem do controlo que achamos que temos. Encontro-me numa fase do meu percurso académico e profissional em que o controlo também tem escasseado. Assim, este ano letivo 2020/2021 tem sido um grande e volumoso livro de lições e ainda vai a meio (mais ou menos). Neste tão denso livro existe um capítulo sobre o controlo. Atenção, é um capítulo não terminado, em constantes edições, mas já é um capítulo longo e, para mim, inovador.
Não vou entrar em discursos que possam parecer que estou de alguma forma grata a esta pandemia, porque de forma alguma o que ela me ensinou vale 0,00(...)000001% de todo o mal que causou. No entanto e acho que seja uma coisa diferente, é importante sermos capazes de tirar o bom, ou o menos mau, seja ele muito ou pouco, dos desafios e obstáculos que nos aparecem. Lá está, mais tarde ou mais cedo iria defrontar-me, talvez não de forma tão radical, com a perda de controlo, a pandemia antecipou, concentrou e serviu-me este shot de falta de controlo (ou talvez de realidade?).
Os últimos meses fizeram-me confrontar com a falta de controlo, com a forma como muitas das coisas que preciso de fazer no âmbito académico dependem apenas numa pequena percentagem de mim e do meu esforço. Têm sido dias introspetivos, alguns em que a procrastinação e a desmotivação me venceram, num colocar constante das coisas em perspetiva e em balanças mentais, cálculos de custo-benefício. E, muitas vezes, no barulho das minhas insónias ouvia-me a perguntar "se os outros não fazem a parte deles, porque é que eu me esforço tanto para fazer a minha?"
Porque é a única coisa que eu posso controlar: o que eu faço, o quanto eu entrego, o quanto luto. Porque é a única coisa que tu podes controlar: tu. O quanto os outros se envolvem, fazem ou são, não está no teu controlo e nada poderás fazer quanto isso. Se é revoltante interiorizar isto? Sim, uns dias são mais complicados que outros e é importante permitirmo-nos sentir revolta, frustração, cansaço, desmotivação. Sem nunca esquecer que podemos não controlar tudo, mas há sempre algo que podemos fazer. Tu perguntas "e se isso for pouco?". Devolvo-te, se o pouco que podes fazer é tudo o que está ao teu alcance, esse pouco não será antes muito?
As exigências e as expetativas podem muitas vezes soterrar-nos, colocar em causa o que caminho que até agora percorremos e todas as coisas que com sucesso ultrapassámos, caso contrário não estaríamos onde estamos agora. Falava há uns dias com um amigo que me é muito querido e falávamos da importância da adversidade nas nossas vidas, da utilidade de esbarrar contra a parede e das coisas nem sempre jogarem a nosso favor e de isto, em alguns casos, ser mais favorável do que julgamos. A vida é assim e são também estas coisas que fogem da nossa sede de controlo que nos ensinam. Assim aprendemos que aprender também pode doer, pode ser doloroso e frustrante, mas não é por isso que o processo é menos valioso, antes pelo contrário.
Serão os meus conselhos válidos neste campo da frustração em que também eu me estou a debater? Talvez sim, talvez não. Se me vou abster de os dar? Não, aí vão eles. Escrevo agora para ti, que possas estar a debater-te com a frustração, com desafios que achas que são maiores que tu.
#1 Exterioriza. Fala, sozinho ou com os teus, desabafa, mesmo que seja estapafúrdio e possa incluir uns quantos "palavrões terapêuticos" (por favor, não me citem nisto). Atreve-te a simplesmente despejar a tua mente, até pode ser por escrito (soa-vos familiar?). Muitas vezes, podemos sentir alguma relutância em partilhar estes nossos sentimentos, voltamos àquela questão do "vou-me queixar disto quando há pessoas piores?" De que forma é que ter este tipo de pensamento vai melhorar quer que seja a tua situação quer seja a das outras pessoas com um fado pior que o teu? Aliás, arriscas-te a perceber que os teus desafios ou sentimentos, de uma forma ou outra, são mais semelhantes aos dos outros do que achavas.
#2 Foca a tua energia. Foca a tua energia no que podes fazer, no que verdadeiramente depende de ti e está ao teu alcance. Faz a tua parte, orgulha-te dela e de ti. Mais que não seja por no meio deste caos todo em que o mundo veio parar, continuares a lutar. Deixa as réguas, escalas e balanças em casa, não compares o teu esforço ao dos outros, como é que vais medir isso? Investe antes em ti.
#3 Respeita-te. Respeita os teus tempos e o teu próprio ritmo. Os teus objetivos sejam eles quais forem são feito por pequenos passos. O caminho até ao destino deve incluir também paragens para cuidares de ti, afinal de contas és tu que fazes a máquina andar.
#4 Descansa. Cria "bolsas de ar" no sufoco que às vezes os dias se tornam, com coisas que te tragam prazer. Para mim é, sobretudo, uma boa música, uma meia hora de exercício físico ou uns episódios alapada no sofá. Tudo é feito de equilíbrio.
#5 Celebra o progresso. Se o caminho é feito de pequenos passos e, por isso, "pequenas" sub-vitórias, não será injusto só celebrar no final? Celebra o teu esforço, dá-te aquela pancadinha no ombro. Aproveita a subida, tira fotografias mentais dos sucessos que contribuem para os teus objetivos, sem esqueceres que as coisas mais desafiantes e as que te podem fazer recuar uns passos podem ser também sucessos. Pendura-as para as recordares quando achares que é preferível desistir. Desistir poderá ser o melhor para ti, mas recorda-te de onde vieste e valoriza-te por isso.
[dia 1 de março de 2021]
Este é, sem dúvida, um texto atípico. É um texto como os dias que agora vivemos. Então acho que devo um update. Ainda que os meus níveis de stress não estejam tão estáveis como noutros momentos, ter abraçado a frustração e permitir-me conviver com ela, ajudou-me a ganhar alguma energia para os últimos dias que passaram. Ainda que não me seja algo natural, tal como acho que não seja para a maioria de nós, procurar abrir mão do controlo que nunca esteve realmente nas minhas mãos deu-me uma nova perspetiva sobre as minhas tarefas. Fazer um levantamento mental daquilo que verdadeiramente depende de mim levou-me a este último conselho que te dou.
#6 Lembra-te de como começaste. Lembra-te por onde tudo começou, daquilo que sentias quando começaste esse projeto ou o caminho para esse sonho que tens. Do entusiasmo de iniciar algo novo, das motivações que te deram a coragem necessária para o primeiro passo. O caminho por vezes é longo e acidentado e pode levar-nos a esquecer momentaneamente onde queremos chegar. Se esquecermos onde queremos chegar ou a razão de termos começado, como iremos algum dia chegar até lá?
Libertar-me do peso das obrigações alheias tem-me permitido encontrar uma maior leveza e um maior gosto nas tarefas que tanto andava a evitar. Visualizar onde quero chegar e partir esse caminho em pequenos passos tem acalmado as ondas da minha mente e, de alguma forma, tem tornado aquele objetivo último mais palpável.
Não aches que estou curada da frustração, mas, lá está, estes momentos difíceis e a forma como aprendemos a navegar por eles, dão-nos ferramentas e conhecimentos, que passam a estar disponíveis para que os usemos no próximos momentos acidentados que se avizinham. Dificuldades vão sempre existir, a frustração vai estar presente em muitos mais momentos, a forma como se lida com ela é que pode ser diferente.
Uma última nota:
Quando a onda da frustração arrombar a tua porta, não te sintas mal se, por momentos, te deixares levar, mas não te esqueças que tens o poder de ir buscar a tua prancha e surfar também.
Com menos frustração,
Maria João.
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